quarta-feira, 2 de março de 2011

Poema à boca fechada




Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,

Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:

Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,

Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,

Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
José Saramago

5 comentários:

Wanderley Elian Lima disse...

Os poemas de Saramago, têm o peso das palavras ditas e não ditas. Sempre estão em desalinho com a banalidade.
Bjux

Isabel Preto disse...

Passei para ler o poema e dar-te um montão de beijinhos.
Isabel

Regina Rozenbaum disse...

Renatinha, amada!
Um poema assim vale mais que milhões de palavras...
Beijuuss n.c.

Glorinha L de Lion disse...

Impressionante Renata, esse poema fala exatamente do meu momento e sobre o que escrevi hj e ontem em meus blogs. Adorei vir aqui! beijos,

Maria Rodrigues disse...

Excelente escolha.
Gostei do seu cantinho, tenha um Dia da Mulher muito feliz.
beijinhos
Maria